O mês de Abril é dedicado à conscientização e informação sobre o autismo, com o intuito de aumentar o entendimento e promover a inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). As pessoas autistas veem o mundo sob uma luz diferente, de maneiras que muitos nunca poderiam imaginar.

No dia 9 de abril aconteceu uma mesa redonda on-line onde as psicólogas da ASQ falaram sobre o tema. Porém, algumas perguntas ficaram sem respostas por falta de tempo. Agora essas questões estão respondidas no texto abaixo, preparado por estas profissionais.

Você também pode ver e rever a mesa redonda no YouTube:

O que é o Transtorno do Espectro Autista (TEA)? 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de déficits persistentes na comunicação e interação social, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Sobre a nomenclatura, é importante entender as diferenças. “Autista” é o termo que a comunidade autista recomenda que seja usado para descrever a pessoa dentro do transtorno do espectro. “Transtorno do Espectro Autista” (TEA) é a nomenclatura médica atual. Quando falamos de neurodiversidade, estamos tratando da ampla gama de tipos de cérebro entre os seres humanos.

O que causa autismo?

A causa do autismo ainda não é totalmente conhecida, sendo considerada complexa e multifatorial, com envolvimento de fatores genéticos e socioambientais. A presença do autismo no histórico familiar é um fator importante a ser analisado como possibilidade para o desenvolvimento, porém ainda são necessários mais estudos para entender melhor a relação com genes específicos e as repercussões na prática clínica. Vale destacar que vacinas, comprovadamente, não causam autismo.

O autismo possui intensidades diferentes? 

Você já ouviu falar que o autismo possui diferentes intensidades? Alguns autistas possuem maior necessidade de suporte que outros. Muitas vezes, a forma de identificação utilizada é a que se emprega a terminologia “nível 1, nível 2, nível 3” de suporte. Um termo popularmente utilizado no autismo considerado “nível 1” é o autismo “leve”, termo que caiu em desuso, pois poderia presumir que uma pessoa com autismo com menor necessidade de suporte teria menos sofrimento ou lidaria de forma mais tranquila. Entende-se que é importante que todo sofrimento seja considerado e validado, portanto, o termo “leve” não é mais utilizado. Por vezes, o autista com menor necessidade de suporte pode ter sintomas desconsiderados e passar despercebido em termos de identificação clínica e tratativa correta, gerando sofrimento e desgaste emocional. As diferentes intensidades de sintomas e variações dentro do espectro autista são classificadas a partir da necessidade de suporte de cada indivíduo, não do nível de sofrimento que será variado e subjetivo. Seguindo a lógica, o Autismo nível 2 seria o nível moderado em que existe uma necessidade maior de apoio e suporte para demandas do dia a dia. Já no nível 3, conhecido por autismo severo, é o grau em que a pessoa necessita de bastante suporte ao longo da vida.

O que justifica o aumento dos casos de autismo?  

O aumento na prevalência de autismo nos últimos anos se deve ao efeito combinado de diversos fatores, como mudanças nos critérios de diagnósticos, aumento da identificação tardia e diagnóstico dos casos com menor nível de suporte, maior conscientização sobre o autismo, tanto entre os profissionais de saúde quanto na população em geral, e aumento de profissionais capacitados.

Quais os direitos dos autistas? 

Segundo a legislação brasileira, autistas possuem os mesmos direitos previstos para pessoas com deficiência (PCD), sendo uma forma de reparar ou amenizar os impactos ocasionados por viverem em um mundo projetado sobretudo para neurotípicos. Autistas têm maneiras diferentes de pensar e de interagir com o mundo, suas características devem ser aceitas, bem como providenciadas as devidas adaptações que possibilitem uma boa qualidade de vida.

A Lei 12.764 de 27/12/2012 determina que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais. A Lei é federal, portanto, vale em qualquer lugar do Brasil, inclusive, discriminar uma pessoa com autismo é crime. O autismo é considerado uma deficiência e não uma doença, portanto, é importante que estejamos atentos aos termos corretos e aos devidos direitos das pessoas com autismo.

Na saúde, existe uma regulamentação da Agência Nacional de Saúde (ANS) que estabelece um limite diferenciado de sessões de terapia para pessoas diagnosticadas dentro do transtorno do espectro autista. Quando necessário, também possuem direito a medicação gratuita para tratar as comorbidades (quando presentes), como, por exemplo, depressão, ansiedade, TDAH, TOC, entre outras. Vale ressaltar que não existe medicação para autismo em si e sim para as condições paralelas.

É o caso entre o TEA e o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), que é uma das comorbidades mais comuns do autismo. Alguns dos sintomas do TDAH como, por exemplo, dificuldades na atenção, foco, memória, inquietação e impaciência, podem ser tratados através de psicoterapia, treinos e exercícios de habilidades específicas como de organização e localização temporal, medicação e outros. Os sintomas do TDAH podem ser diminuídos através do tratamento adequado, auxiliando o autista com o TDAH. Como citado anteriormente, não existe medicação para o autismo, mas existem sim tratamentos para as comorbidades.

Quais os direitos dos autistas na escola? 

Na escola, o aluno autista tem direito a tutor e/ou acompanhante terapêutico. É importante salientar que a escola não pode, sob nenhum pretexto, negar-se a matricular alunos em virtude de serem autistas ou portadores de qualquer deficiência. De acordo com a Lei 12.764/2021, conhecida como Lei Berenice Piana, o gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.

Quais os direitos dos autistas no trabalho?

No mercado de trabalho, as empresas com mais de 100 funcionários têm obrigação de incluir pessoas com alguma deficiência em seu quadro. Por conta disso, muitas disponibilizam vagas exclusivas para autistas, mas é importante que as empresas se adequem às necessidades do colaborador, compreendendo qual tipo de suporte ele necessita e as adaptações necessárias para criar um ambiente adequado que garanta minimamente o cumprimento de suas demandas de trabalho.

O autismo possui diferentes graus, portanto não existe uma legislação específica ou protocolo designando de como deve ser a definição de tarefas para o autista nas empresas, porém algumas orientações auxiliam grandemente na adaptação ao ambiente. Iniciando por desfazer os mitos e se comprometer com informações verdadeiras e que apoiem a neurodiversidade, é papel da empresa disseminar informações corretas e incentivar o respeito às diferenças. O treinamento para as lideranças e recursos humanos é essencial.

É importante que a empresa desmitifique as ideias de que o autista possui algum problema de aprendizado, pois existe uma variação grande nesse aspecto, a depender de cada indivíduo, alguns podem ter questões de aprendizagem e outros não. Da mesma maneira, os indivíduos com autismo nem sempre terão altas habilidades, identificar isso também é importante para que a relação com cada um seja justa e respeitosa. Identificar as necessidades individuais do colaborador será necessário para que essas adaptações façam sentido, como por exemplo, verificar a disponibilidade para participação de eventos, reuniões em grupo, apresentações, happy hours, confraternizações, almoços e outros. Obrigar o autista a participar desses momentos não faz parte de uma prática acolhedora e geradora de bem-estar para a pessoa nem para a empresa, podendo gerar baixa produtividade, desânimo, preconceito e outros comportamentos nocivos.

Outro ponto relevante a ser considerado pela empresa é a incidência de luz, quantidade de sons e estímulos, cheiros, toques, outros relacionados aos sentidos, organização e rotina de trabalho, funções etc. Cada um desses elementos pode interferir na qualidade de vida do autista no trabalho. Identificar a necessidade individual relacionada a luz, cheiros, toque e outros será essencial e essa descoberta poderá ser feita através de uma conversa aberta e acolhedora, compreendendo o que a pessoa necessita e como a empresa pode auxiliá-la.

Além disso, os direitos do autista junto ao INSS são acesso ao benefício assistencial (BPC/LOAS); Isenção de impostos – Isenção de imposto na compra de veículo e de IPVA; Direito a usufruir de filas, vagas de estacionamento e assentos preferenciais; Outros. Para maiores informações procure sites confiáveis que contenham as informações completas ou os órgãos oficiais.

Como é feito o diagnóstico de autismo? 

Falando sobre o diagnóstico, a avaliação ideal é a multidisciplinar, pois assim será possível compreender o indivíduo e esclarecer o seu perfil, a fim de confirmar ou excluir o autismo, bem como identificar condições associadas. Os profissionais capacitados para realizar o diagnóstico são os neuropsicólogos, médicos psiquiatras ou neurologistas, psicólogos especialistas em autismo. 

Qual  a importância de diagnosticar autismo em adultos? 

É frequente pensar que não faz sentido investigar autismo na idade adulta, depois de tantos anos vivendo em características neurodivergentes em uma “sociedade neurotípica”, sem diagnóstico, terapia ou adaptações. Entretanto, o que se tem observado é que a descoberta promove autoconhecimento, contextualizando a história de vida e a identidade do indivíduo. Fornece explicações para dificuldades anteriores e diminui o sentimento de culpa por estar fora de um padrão social esperado. Reduz o peso dos julgamentos prévios e a sensação de não pertencimento. Facilita a aceitação, a percepção dos próprios limites e a busca pelas adaptações necessárias. Um diagnóstico preciso, independentemente da idade, pode apontar estratégias e intervenções para melhorar a qualidade de vida, bem como permitir conectar com outras pessoas autistas e comunidades de apoio.

Qual a melhor forma de encarar o diagnóstico de um filho autista? 

Falaremos brevemente sobre a descoberta do autismo nos filhos, que é um processo permeado por um conjunto de sensações e sentimentos a serem experienciados pela família, seja frustração, insegurança, culpa, luto, medo ou desesperança. O nascimento de um filho se constitui na formação de um novo ciclo vital, que passa a ser idealizado pelos pais e por todos ao redor. Entretanto, quando ocorre alguma ruptura na expectativa e idealização, os familiares sentimentos como culpa e negação são comumente experimentados, especialmente entre os pais. Por vezes, os sentimentos a partir de um diagnóstico de autismo são intensificados devido ao desconhecimento acerca do Transtorno do Espectro Autista, visto que neste momento os pais podem experimentar um sentimento misto de amor e perda do “filho idealizado”. Diante dos desafios e emoções enfrentadas, é recomendado que os pais/cuidadores façam terapia e busquem uma rede de apoio, familiares, profissionais e outros que possam ajudá-los nesse momento de descoberta.

Receber um diagnóstico de autismo é como embarcar em uma jornada emocional, com desafios e momentos de profunda reflexão. A aceitação é um processo individual que pode ser vivenciado por cada um em diferentes momentos, com maior ou menor duração. A trajetória é também um processo de descobertas de potenciais, reconhecendo o que cada um carrega e valorizando a neurodiversidade. Nesse percurso, os adultos autistas têm a oportunidade de uma reconexão com sua essência e seus valores e, assim, de um planejamento com propósito e significado.

Quais os desafios do autismo descoberto na adolescência? 

Não devemos deixar de citar os desafios de quando o autismo é descoberto na adolescência. Em uma fase em que estamos nos estabelecendo como pessoas no mundo, compreendendo nossa singularidade e vivenciando a necessidade de pertencimento em grupos que afirmem nossa identidade, a descoberta do autismo pode ser intensa para o adolescente. Como citado anteriormente, a aceitação passa pelo acompanhamento de profissionais qualificados e é individual, podendo durar mais tempo para uns e menos para outros, a depender de suas características pessoais e outros contextos. Por vezes, esse processo de aceitação pode iniciar-se através da psicoterapia, espaço em que o adolescente poderá se abrir sobre suas questões cotidianas, criando um ambiente de confiança e vínculo, recebendo o suporte necessário. O processo de aceitação de um diagnóstico pode ser lento e gradual, portanto, é essencial que não só a criança ou adolescente esteja em acompanhamento, mas também os pais, para que consigam lidar com suas frustrações e expectativas. A conversa será sempre a melhor forma de construir uma boa relação. Caso os pais estejam com dificuldade de introduzir o tema com o adolescente, é indicado que procurem um profissional para acompanhá-los e receberem as devidas orientações, antes mesmo de uma ação mais pontual com os filhos.

Como lidar com a seletividade alimentar no autismo?

Um dos sintomas presentes nas crianças com autismo pode ser a seletividade alimentar que é caracterizada pela recusa de algum alimento específico, pouco apetite ou desinteresse pelo alimento. A depender do contexto familiar na fase pré-escolar (momento mais comum da seletividade), a seletividade pode perdurar até a adolescência, idade adulta ou diminuir com o tempo. Não é indicado que a alimentação seja forçada, pois gerará mais sofrimento e maior dificuldade na aceitação de novos alimentos, além de desgaste nos familiares. O indicado é que não se construa uma relação aversiva com o momento da alimentação, mas utilizando aproximações sucessivas e tentativas diferenciadas, a criança ou adolescente possa sentir-se confiante para experimentar novos alimentos. Ao colocar o autista no processo de preparação da comida também é possível que se sinta interessado pelo alimento manipulado e gere maior familiaridade. Outra forma de gerar aproximação é deixar a criança brincar com o alimento (quando possível) e fornecer o mesmo alimento em diferentes maneiras de preparação, modificando as texturas e formatos. Portanto, não é indicado que se force a alimentação, mas que aos poucos introduza os alimentos de forma lúdica e através dos exemplos dos familiares também possam se aproximar dos alimentos atualmente aversivos.

Conclusão

Concluindo, entende-se que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento que carece de cuidados específicos e atenção devida na sociedade. Seja no trabalho, família ou escola, devemos nos informar e disseminar falas de acolhimento e validação, compreendendo que o respeito deve estar em qualquer relação humana. Dar o espaço devido, acolher, informar, são atitudes que pertencem a todos.

Referências e indicações

https://observatoriodoautista.com.br
https://omundoautista.uai.com.br
https://www.autismoemdia.com.br

Autismo: é importante conhecer para compreender. Saiba mais sobre o tema